[10.março.2008]

os portugueses não sabem falar uns com os outros, nem dialogar, nem debater, nem conversar. duas razões concorrem para que tal aconteça: o movimento saltitante com que passam de um assunto a outro e a incapacidade de ouvir. não se pode dizer que a segunda decorra da primeira, porque o inverso também é verdade. resultam as duas do facto de as falas não conseguirem atinar com um ‘tom’ comum. porquê? paradoxalmente (ou perversamente), porque o que se procura é precisamente a discordância (não a discórdia) e, antes de tudo, ouvir o som da sua própria voz – pequeninamente, a afirmação autista de si, na fala pronunciada sem a preocupação de ser ouvida ou ser compreendida (porque essa crença nem sequer se põe em dúvida, desde que eu me oiça). produz-se assim uma algazarra insuportável, com todos a falar ao mesmo tempo, cada um com a sua veemência particular sem dar a devida atenção aos outros, seus ‘interlocutores’.
(…) todos se esganiçam uns diante dos outros, como se o facto de se ser ouvido e compreendido não tivesse importância. já não há ‘mensagens’, há apenas ‘barulho’. tem de concluir-se que interessa somente o acto de falar, fundando-se, certamente, na crença mágica de que falando e continuando a falar se força o auditório a aceitar os seus argumentos. ou, mais prosaicamente, elevar a voz e ser o último a falar equivale a ganhar a discussão.

josé gil

22 comentários:

gnoveva disse...

é. irritante e aborrecido como quase tudo hoje em dia.

Joana Amoêdo disse...

Pois...é isso:-)

menina tóxica disse...

e já não se percebem palavras sequer.
é mesmo só (irritante) barulho.

MJ disse...

Já tinha saudades de ler o que escreves :)
Obrigado

Um tema que "dava pano para mangas"...é um pouco generalista sobre um tema que não se pode generalizar...pessoas...

Claro que num determinado contexto, este texto deve fazer todo o sentido, contudo desconheço...

Bj
Mj

Ornela harris disse...

É genético!

*

Andreia disse...

Outchhhh!

Maria disse...

Subscrevemos completamente. Excessivos ruídos de comunicação, os de hoje.

Unknown disse...

realmente...as palavras (para a grande maioria das pessoas) são apenas um mero instrumento da voz que se altera... e é mesmo o tom ou o som da voz que se transforma em arma para "ganhar a discussão"... já quase ninguém é capaz de ouvir o outro, nem falar com o outro... a maioria fala de si para si... evolução dos tempos??

rummy_ disse...

sim, portugueses adoram falar, se for pra reclamar sobre algo melhor ainda =P

M. disse...

dois ouvidos e uma boca... se nada é ao acaso, então talvez devessemos ouvir mais do que falar.

Andreia disse...

Fui a pegar nesse livro, para levar. Tinha muitas páginas dobradas/marcadas. Acho que quer dizer alguma coisa (:

V. disse...

os espanhóis não serão piores? :) *

Débora disse...

Também estou a ler "Portugal, hoje - o medo de existir" e, em cada linha, leio mais uma verdade.

Lord of Erewhon disse...

Um homem inteligente e um dos grandes filósofos portugueses - mas com um grande senão: vive cada vez mais em França e, cada vez mais, sabe menos deste País.

deep disse...

E fica tanto por aprender!... :)

rita disse...

não podia concordar mais. mas ainda há-de haver, no meio, qualquer coisa boa de se ouvir.

teresa disse...

já não passo por aqui há algum tempo.. vejo que tenho muita coisa para ler, o que é bom sinal..

mas é engraçado ter lido este post no dia em que cheguei à conclusão de que todos os nossos problemas se devem à falta de comunicação.

Kiau Liang disse...

serei eu uma pessoa convidada?

s. disse...

gnoveva: deve haver algo que possamos fazer para que isto deixe de ser assim, não?

debbie harry: e agora que fazemos?

menina tóxica: perceber? entender? isso importa? :p ter a consciência que talvez, mas só talvez, o outro possa ter algo de útil para nos dizer, é algo muito dificil para muita gente hoje em dia. o curioso é ver o quão inconsciente é e mesmo quando se chama a atenção para isso as pessoas acham que não o fazem.

mj: neste caso o que os outros escrevem e eu copio :) concordo perfeitamente contigo, a generalização é por norma algo mau mas nas pessoas então é péssimo. é renunciar à unicidade de cada um. ainda assim há padrões que se repetem, afinal, e tirando variações menores, somos todos filhos do mesmo contexto cultural. acho que o que ele quer dizer é que hoje em dia as pessoas não sabem comunicar umas com as outras porque não sabem ouvir. quantas vezes não assistimos a monologos a dois? acho que isso tem a ver com o conceito errado que as pessoas têm assimilado (inconscientemente) do que é a comunicação. cada vez é mais um disputa para quem ver quem tem razão (talvez numa tentativa de afirmação do ego) e não é vista como uma troca de verdades em que as duas pessoa saem mais a ganhar quanto mais procurarem entender o que o outro está a dizer. o excerto é do livro 'portugal hoje, o medo de existir'. aconselho a leitura.

nezinha: é quase como se fosse (:

andreia ferreira: a capacidade dele de traduzir coisas que por vezes sentimos que acontecem mas não conseguimos definir é assustadora não é?

dr.strangluv: há muito ruido no canal. temos que voltar a aprender a falar baixinho.

liliana: acho que só conta como evolução se for para algo melhor :p não haverá uma unica razão mas para mim a principal tem a ver com o conceito errado que as pessoas têm de comunicação . esta é vista como um combate. uma situação em que apenas um pode 'ganhar'. é o ego que está em causa. e isto apesar de as razõs serem muitas para isto acontece acho que deriva de uma questão central: o conceito que temos de liberdade (mas isso dava origem a um post só para explicar o porquê. talvez um dia.).

rummy: o livro de onde vem o excerto também fala nisso. tens que o ler.

charlotte: uma verdade simples. contudo hoje em dia ver as coisas mais simples tornou-se bastante dificil.

andreia: acho que vais gostar muito de o reler :)*

vanessa: não tenho conhecimento de causa para falar dos nossos vizinhos. de qualquer forma que importa o quão piores ou melhores são? isso não nos vai resolver o nosso problema :)

spotless mind: o que mais me espantou foi a capacidade que ele tem para traduzir e explicar algo que já sentia mas era algo para mim vago. é um livro que me marcou imenso. as partes que mais fizeram sentido foi a da não-inscrição e a do medo. e por aí?

lord of erewhon: e assim surge a questão da legitimidade do autor.

deep: precisamente isso. é a evolução que nos passa a o lado.

r,: e até há. o problema é achar quem a oiça.

teresa: não sei se serão todos mas grande parte sem dúvida. volta cá mais vezes.

s. disse...

kiau liang: se te referes à casa ao lado está fechada. não entra ninguém. a não ser o dono claro :)

LM,paris disse...

bonjour S.,
continuei a leitura do blog e dou com o texto do Zé gil,ele està muito mais em Lisboa agora, se é que isso importa tanto ...conhecia-o aqui em paris nos anos oitenta e era e é bom discutir com ele, às vezes nao estamos de acordo...
mas ele tem razao, o que nos falamos por cima sem contar com o espaço do outro!quando estiver em lisboa procuro o livro!
merci, vou ouvir mais, abraço LM

s. disse...

lm,paris: sim eu sei. dá aulas na faculdade nova. depois de ler o livro fui-me informar (: aliás ainda lhe devo um e-mail (espero por maior disponibilidade) para lhe agradecer por ter escrito um dos livros que mais me marcou.
a partir do momento que uma pessoa demonstra entender o porquê das pessoas falarem/discutirem entre si é de esperar que seja alguém com quem seja agradável falar.
é um livro muito útil, pelo menos para mim foi, para traduzir muitas das coisas que por vezes achamos e pensamos mas que talvez por capacidade de sintese não conseguimos juntar.
grato pela visita (: