[21.julho.2008]
eu calava-me e pouco a pouco ia pressentindo a verdade: ele gostava de aspirar voluptuosamente, como um incenso, o cheiro corrompido do mundo. porque não se tratava apenas do que havia em casa: toda a cidade está infestada, toda a terra. à noite, no metro, era ainda a mesma angústica que me sufocava. os homens pousavam as mãos abertas nos joelhos, os olhos das mulheres estavam amortecidos e o balançar da carruagem revolvia no ar pesado os seus suores e as suas misérias; o metro atravessava um hall de azulejos onde os cartazes multicores reflectiam o rosto quotidiano da terra, com as suas salamandras, as suas caixas de pasta de fígado; depois mergulhavam no túnel negro. parecia-me que era o túnel o destino de toda aquela multidão perdida e sentia apertar-se-me o coração.
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porque o mal não estava nas instituições mas no mais profundo de nós próprios. era preciso escondermo-nos num canto, fazermo-nos o mais pequenos possível e, em vez de tentarmos um esforço pervertido de progresso, aceitar tudo.
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completamente ocupados em declarar as razões para as quais não queríamos morrer, seríamos ainda capazaes da inquietação de tentar saber as razões porque queríamos continuar a viver?
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porque o mal não estava nas instituições mas no mais profundo de nós próprios. era preciso escondermo-nos num canto, fazermo-nos o mais pequenos possível e, em vez de tentarmos um esforço pervertido de progresso, aceitar tudo.
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completamente ocupados em declarar as razões para as quais não queríamos morrer, seríamos ainda capazaes da inquietação de tentar saber as razões porque queríamos continuar a viver?
(do livro 'o sangue dos outros' de simone de beauvoir.)
3 comentários:
no outro dia encontrei isto nos meus cadernos de notas " Para quê as unhas que se agarram e este coração que queria deixar de querer e que ainda quer, e que quer querer contra vontade? Não querer mais nada. Não saber mais nada. Simplesmente ali, inteiramente ocupada a ouvir o gorgolejar tranquilo da vida que foge sem ir para parte nenhuma" Pág 207, "O sangue dos outros", Simone de Beauvoir
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um dos livros da minha vida. *
andreia: o coração que queria deixar de querer, o meu é destes mas acho que preferia outro*
andreia: tenho vontade de o reler mas vai ficar para outra altura, mas é sem dúvida um grande livro*
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