[13.dezembro.2008]

não é só o avanço tecnológico que marcou o início deste milénio. as relações afectivas também estão passando por profundas transformações e revolucionando o conceito de amor.
o que se busca hoje é uma relação compatível com os tempos modernos, na qual exista, individualidade, respeito, alegria e prazer de estar de estar junto, e não mais uma relação de dependência em que um responsabiliza o outro pelo seu bem-estar.
a ideia de uma pessoa ser o remédio para a nossa felicidade, que nasceu com o romantismo, está fadada a desaparecer neste inicio de século.
o amor romântico parte de uma premissa que somos uma fracção e precisamos encontrar nossa outra metade para nos sentirmos completos.
muitas vezes ocorre até um processo de despersonalização que, historicamente, tem atingido mais a mulher. ela abandona suas características para se amalgamar ao projecto masculino.
a teoria da ligação entre opostos também vem dessa raiz: o outro tem de saber fazer o que eu não sei. se sou manso o outro deve ser agressivo e assim por diante. uma ideia prática de sobrevivência e pouco romântica, por sinal.
a palavra de ordem deste século é parceria. estamos trocando amor de necessidade por amor de desejo. eu gosto e desejo a companhia, mas não preciso, o que é muito diferente.
com o avanço tecnológico, que exige mais tempo individual, as pessoas estão perdendo o pavor de ficar sozinhas, e aprendendo a conviver melhor consigo mesmas. elas estão começando a perceber que se sentem fracção, mas são inteiras. o outro, com o qual se estabelece um elo, também se sente uma fracção. não é príncipe ou salvador de coisa nenhuma. é apenas um companheiro de viagem.
o homem é um animal que vai mudando o mundo e depois tem de se ir reciclando, para se adaptar ao mundo que fabricou.
estamos entrando na era da individualidade, o que não tem nada a ver com egoísmo. o egoísta não tem energia própria; ele se alimenta da energia que vem do outro, seja ela financeira ou moral.
a nova forma de amor, ou mais amor, tem nova feição e significado. visa a aproximação de dois inteiros e não a união de duas metades. e ela só é possível para aqueles que conseguem trabalhar a sua individualidade. quanto mais o indivíduo for competente para viver sozinho, mais preparado estará para uma boa relação afectiva.
a solidão é boa, ficar sozinho não é vergonhoso. ao contrário, dá dignidade à pessoa. as boas relações afectivas são óptimas, são muito parecidas com o ficar sozinho, ninguém exige nada de ninguém e ambos crescem. relações de dominação e de concessões exageradas são coisas do século passado.
cada cérebro é único. nosso modo de pensar e agir não serve de referência para avaliar ninguém. muitas vezes pensamos que o outro é nossa alma gémea e, na verdade, o que fizemos foi inventá-lo ao nosso gosto.
todas as pessoas deveriam ficar sozinhas de vez em quando, para estabelecer um dialogo interno e descobrir sua força pessoal.
na solidão, o indivíduo entende que a harmonia e a paz de espírito só podem ser encontradas dentro dele mesmo, e não a partir do outro. ao perceber isso, ele se torna menos crítico e mais compreensivo quanto às diferenças, respeitando a maneira de ser de cada um.
o amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. nesse tipo de ligação, há o aconchego o prazer da companhia e o respeito pelo ser amado. nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes você tem que aprender a se perdoar a si mesmo.
sawabona é um cumprimento usado no sul da áfrica. significa “eu te respeito, eu te valorizo, você é importante para mim”. em resposta as pessoas dizem shikoba que é: “então eu existo para você”.

flávio gikovate

3 comentários:

Andreia disse...

1+1=3
Todo o par tem três partes: tu, eu e nós, ou seja, duas pessoas, três partes, cada uma delas significativa, cada uma delas com vida própria, em que cada parte torna mais possível a outra. Deste modo, eu torno-te mais possível a ti, tu tornas-me mais possível a mim, eu torno mais possível a nós, tu tornas mais possível a nós e, juntos, nós tornamos mais possível um e outro.
Virginia Satir

Anónimo disse...

É curioso como alguém consegue exprimir coisas que já pensámos, que já debatemos de uma forma simples e perfeitamente compreensível. A forma como as relações têm se tranformado, tem sido um tema de conversa algumas vezes recorrente entre amigos e esta é uma perspectiva que se cruza com a minha. E as palavras deste autor, dizem tudo. :) Boa escolha. Beijinhos

s. disse...

andreia: e o quanto eu gosto desse excerto (:

hannah: sim hannah é mesmo verdade. como se alguém conseguisse olhar para o turbilhão de coisas desconexas e ver claramente o que aquilo significa. acho felizmente esta ideia de que precisaremos sempre do outro para os fazer feliz está a mudar. isso não significa que não haja necessidade de amar alguém. tão somente que não deveremos ver nos outros a fonte de felicidade.